Título: Possibilidades de controle de correio eletrônico na relaçaão laboral à luz do direito ao segredo das comunicações: estudo comparado Brasil e Espanha
Autores: Carneiro, Ricardo José das Mercês
Fecha: 2014
Publicador: Dialnet (Tesis)
Fuente:
Tipo: text (thesis)
Tema:
Descripción: É inquestionável que nos últimos anos a revolução tecnológica tem gerado profundas alterações nas relações laborais, em especial pela necessidade de atender a um mercado globalizado e com um nível de exigência cada vez mais elevado. Para os juslaboralistas, estes efeitos costumam ser sintetizados na palavra �flexibilização�. Vista de uma maneira simples, e dentro da perspectiva desta investigação, pode-se dizer que a flexibilização é responsável por profundas alterações na dinâmica do trabalho. Assim, a razão que leva o empregador à utilização dos meios tecnológicos de produção é a necessidade de competir em um mercado globalizado, que exige respostas mais precisas e principalmente mais rápidas que somente os meios tecnológicos têm capacidade de proporcionar. Sai o sistema estandardizado e entra um novo modelo que se apoia em uma produção diversificada, tomando o principio da eficiência econômica como parâmetro que garante a necessária internacionalização da produção e a busca de outros mercados consumidores. Torna-se imperiosa a adaptação da organização laboral a favor da flexibilidade. Brota, então, a necessidade de renovação infinita de infraestruturas e programas, mudança dos costumes laborais e descentralização produtiva (outsourcing) como premissa necessária para a preservação da competitividade no mercado de trabalho, e que desemboca, esta última, nos sempre questionados processos de terceirização (quarteirização etc.) de parcelas da atividade produtiva. Neste contexto, como um dos principais instrumentos desta nova relação laboral, gerado a partir da revolução tecnológica, pode-se considerar o correio eletrônico como um meio de comunicação de grande relevância, porém gerador de intensa controvérsia. Os dados estatísticos comprovam que há uma utilização recorrente do e-mail nas relações comerciais (por ser uma comunicação barata, rápida, precisa e segura). Por outro lado, não são poucas as queixas sobre seu uso indevido e abusivo por parte dos trabalhadores no contexto de suas relações laborais. A reação natural, por parte dos empresários, a estes abusos foi a adaptação de seus mecanismos de controle e fiscalização. Assim, para combater estes problemas gerados pelas novas tecnologias de informação, em particular o e-mail, os meios de fiscalização terminam por ser, muitas vezes, mais invasivos na esfera íntima do trabalhador. Em geral, à medida que o trabalho ganha complexidade e se torna cada vez mais heterogêneo, a fiscalização da produção necessita revisar seus métodos, passando a se valer o empregador de meios de fiscalização igualmente complexos, heterogêneos, flexíveis e, por consequência, invasivos, como vídeos, inspeções íntimas de trabalhadores, verificação das páginas da web vistas nos postos de trabalho. Nesse contexto em que a produção não responde a padrões facilmente fiscalizáveis, se impõe um maior nível de confiança no trabalhador. Na ausência dessa fidúcia, ela vem sendo suprida por mecanismos de fiscalização, denominados �controles defensivos� pela doutrina laboral italiana, que permitam ao empregador estabelecer um perfil do empregado ou empregada contratada. Neste contexto o correio eletrônico dos empregados se converte em um novo objeto de controle, para cuja adoção se apela, especificamente, à necessidade de garantir a proteção dos sistemas informáticos, a produtividade, a proteção à propriedade intelectual e a qualidade do labor prestado. É precisamente o uso massivo desse meio de comunicação nas relações comerciais e os abusos gerados por ambos os lados da relação laboral, no uso do correio eletrônico por parte do empregado, e no controle de seu uso por parte do empregador, o que suscita a necessidade de investigar até onde chegam as possibilidades de intervenção do empregador no correio eletrônico do empregado. O estudo que se segue consiste em uma análise comparativa dos sistemas jurídicos brasileiro e espanhol neste ponto. Os paralelos entre os ordenamentos, em especial em seu viés constitucional, não constitui novidade, mormente quando se leva em conta a influência que as constituições espanholas nos últimos 180 anos tiveram sobre os seus correlatos textos no Brasil. Não são poucos os estudiosos que assinalam esta influência, ao longo da história, bem como os estudos que apontam discrepâncias e pontos de convergência entre os sistemas constitucionais dos dois países. Bonavides, em artigo em que apresenta 3 (três) momentos de transição constitucional brasileira em que o país se valeu da experiência constitucional e de fatos relevantes ocorridos na Espanha, aborda a matéria com percuciência, enfatizando a semelhança entre os atuais textos constitucionais. A esse respeito, o autor assevera que �há surpreendentes traços de similitude ou analogia e até mesmo identidade dos dois processos institucionais de transição que envolveram o regime político de ambos os países na passagem da ditadura à democracia. A transição brasileira, conforme se observa das datas comemorativas ocorreu dez anos depois da espanhola, mas recebendo um poderoso influxo, como veremos, do modelo estreado na península ibérica e garantido ali em sua execução, segundo nos parece, pelo bom êxito alcançado com a celebração dos pactos de Moncloa.� No mesmo diapasão, Da Silva, em ensaio no qual oferta visão histórico-comparativa das constituições da Espanha e do Brasil, enfatiza pontos de convergência e de divergência em ambos os textos. Segundo o autor, abordando os trabalhos realizados na assembleia constituinte brasileira, nunca se manuseou tanto a constituição espanhola como se fez durante o processo de formação da constituição federal de 1988. De fato, ainda que se reconheça a preponderância da Constituição Portuguesa como maior fonte inspiradora da Constituição do Brasil em 1988, a 20 cuidadosa análise comparativa com o texto espanhol, em especial na seara dos direitos fundamentais, dentre os quais a intimidade e o segredo das comunicações são bons exemplos, é possível verificar uma normatividade que, se não é propriamente idêntica, possui enunciados que, de forma nítida, denunciam a fonte de onde proveio, criando uma expectativa de como esses sistemas jurídicos respondem a situações fáticas idênticas. Curial enfatizar, com apoio em Da Silva que �essa aproximação normativa é que possibilita o estudo comparativo de dois ou mais ordenamentos constitucionais. Ora, comparar significa confrontar, aproximar coisas a fim de individuá-las e, individuando-as, distingui-las; e distinguindo-as, agrupá-las e classificá-las (Tripiccione), ou, na forma substantiva de Constantinesco, a comparação é uma operação do espírito pela qual são reunidos num confronto metódico os objetos a serem comparados, a fim de precisar suas relações de semelhança e divergência.� E esse estudo comparativo ganha força e interesse diante da atual conjuntura econômica. É fato que, nos atuais tempos de globalização da economia, no plano comercial, os dois países anteriormente mencionados nunca estiveram tão próximos. Desde que em 1995 se produziu a explosão do processo privatizador brasileiro, as grandes companhias espanholas começaram a tomar posições no país e como consequência disto, a Espanha foi o primeiro investidor estrangeiro no Brasil em 1998, com 22% do volume total de investimentos e no ano 2000, com quase 29% do total dos Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil. O aporte do investimento espanhol veio, inicialmente, provocado pelo Plano Nacional de Desestatização brasileiro que atraiu o interesse das grandes empresas espanholas, em especial os grupos multinacionais. Esta primeira onda de investimento produziu um efeito de atração sobre outros setores e empresas de distintos portes e hoje o grande volume de investimento acumulado espanhol resulta heterogêneo e vai desde automação, engenharia e a construção civil até saneamento ambiental, passando pelos serviços de segurança ou seguros. Na outra face da moeda, se há alguns anos atrás, o investimento direto do Brasil na Espanha era praticamente inexistente, dados da pesquisa sobre capitais brasileiros no exterior realizado pelo Banco Central do Brasil indicam que na Espanha há US$ 4 bilhões em investimentos diretos, US$ 1,4 bilhão em títulos públicos de curto prazo e US$ 614 milhões em títulos de longo prazo. Cifras estas que aumentam continuamente. Assim, o total do investimento bruto brasileiro na Espanha tem crescido bastante em relação há anos anteriores, criando um quadro atual em que, excluindo�se os paraísos fiscais, a Espanha figura entre os países que mais recebem investimentos brasileiros no exterior. No terreno jurídico, e na matéria que aqui nos interessa, a aproximação começa pelo fato de que nenhum dos dois países conta com legislação que regule o uso do correio eletrônico pelo trabalhador e seu controle pelo empregador, ainda que haja em ambos os países proposições legislativas que intentam abordar o objeto deste estudo. A despeito de as previsões constitucionais relevantes em ambos os ordenamentos jurídicos sejam muito próximas e similares, todavia, as decisões dos tribunais infraconstitucionais sobre o tema seguem, até este momento, rumos muito distintos, ignorando muitas vezes parâmetros constitucionais. Por seu turno, e até tempos recentes, em concreto até a publicação da STC 241/2012, de 17 de dezembro, não havia em nenhum dos dois países decisões das Cortes Constitucionais sobre o tema objeto desta investigação. O objetivo deste estudo é apresentar uma comparação do tratamento jurídico-constitucional da capacidade do empregador de controlar o correio eletrônico dos trabalhadores no sistema jurídico espanhol e no brasileiro, assinalando diferenças/semelhanças que nos ajudem a compreender como cada um destes dois sistemas jurídicos se aproxima ao tema, assim como o que um sistema poderia aportar ao outro para sua melhor compreensão. Concentrar-nos-emos, especialmente, nos limites da ação do legislador na matéria e as bases de um enfrentamento da questão pelos Tribunais Constitucionais brasileiro e espanhol. Para chegar a estas conclusões, desde um ponto de vista metodológico, fez-se necessário enfrentar algumas questões preliminares ao desenvolvimento do tema. A primeira destas questões consistiu em efetuar um recorte, ao apreciar a questão exclusivamente sobre a base do direito ao segredo das comunicações. De fato, não se tem dúvida que a questão do controle do empregador sobre o correio eletrônico do trabalhador pode ser apreciado sobre outras vertentes, em especial a das liberdades de pensamento e de expressão e do direito à intimidade, sendo esta última a perspectiva em que usualmente a doutrina e a jurisprudência tendem a analisá-la. Todavia, neste estudo o objetivo é analisar o controle que se efetua ao processo comunicativo e seus limites quando confrontado com a liberdade de comunicação entre as pessoas protegida pelo segredo. Assim, a premissa inicial no desenvolvimento do tema, tratada no capítulo 1, é conhecer de maneira profunda o correio eletrônico, suas características enquanto meio de comunicação e importância como instrumento de trabalho e possibilidades de causar lesão aos interesses dos empregadores. E este detalhamento em torno do instrumental se justifica na medida em que, ainda que seja o correio eletrônico um meio de comunicação de mais de 40 anos, seu uso massivo é muito recente. Isso justifica os investimentos em frequentes inovações em sua tecnologia, havendo uma grande quantidade de mecanismos técnicos de defesa dos sistemas informáticos recentemente criados e outros em fase de criação, os quais permitem diferentes níveis de intervenção no processo comunicativo, cuja localização no marco constitucional precisa de análise. Ademais, é necessário conhecer suas características e espécies, indo além da mera e já desgastada distinção entre o correio pessoal e o corporativo, já que, entre outras questões a serem desafiadas, há que se reconhecer uma multiplicidade de distintas formas deste último que, por suas características peculiares, deveriam ensejar um diferenciado enquadramento nas normas e na doutrina preexistente. A resolução da questão que se propõe, ademais de uma análise mais detalhada do instrumental correio eletrônico, passa assim pela apreciação do ambiente e das circunstâncias em que a intervenção na comunicação telemática se dá. Nesse plano, o fato de a intervenção ocorrer no seio de uma relação de trabalho, faz como que esta funcione como uma espécie de catalisador capaz de influenciar a resolução desta �equação�, na qual se busca apreciar a licitude/ilicitude das medidas de controle e seus eventuais limites. Nesse contexto, em aspecto apreciado no capítulo 2, fez-se necessário averiguar como a doutrina científica e a jurisprudência constitucional do Brasil e da Espanha tomam em conta a aplicação dos direitos fundamentais dos trabalhadores no âmbito privado das relações de trabalho. Assim, será feita uma análise da Drittwirkung em ambos os sistemas jurídicos. Dessa análise, buscou-se entender porque, a despeito de a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares ingressar no contexto jurídico do Brasil e da Espanha indubitavelmente sob influência germânica, a forma como o TC espanhol conhece da lesão a direitos fundamentais nas relações de trabalho não encontra simetria com aquela pela qual a questão chega à apreciação do STF brasileiro. É certo que ambos não se apoiem para a resolução da questão na lógica dos conflitos de direitos fundamentais e reconheçam a plena efetividade dos direitos fundamentais do trabalhador no marco da relação laboral, e igualmente que o exercício de tais direitos admite limitações ou sacrifícios na medida em que se desenvolvem no seio de uma organização que reflete outros direitos reconhecidos constitucionalmente. Contudo, e como consequência mais visível dessas formas de enfrentamento tão distintas na jurisprudência constitucional do Brasil e da Espanha, é forçoso admitir a existência de um maior grau de maturidade e sistematização no TC espanhol em torno da matéria, cuja jurisprudência evoluiu de maneira indubitável desde o critério da boa fé até o critério de absoluta necessidade das restrições de direitos para o desenvolvimento da relação laboral ou da atividade empresarial, reconhecendo uma importância distinta entre estes direitos, ao perceber que os dois titulares de direitos em conflito não estão em pé de igualdade, havendo uma evidente relação de poder. Assim, pode-se dizer que a jurisprudência do TC espanhol criou para estes casos de controle de direitos fundamentais na relação laboral uma doutrina distinta à dos conflitos entre particulares e àquela do exercício dos direitos fundamentais ante os poderes públicos, porém bem mais próxima da segunda que da primeira. Todavia, ainda que a questão não seja enfrentada dentro da sistemática de conflito de direitos, sobretudo na Espanha, em que se parte de uma aproximação das relações laborais com as relações de poder, não cabe desconhecer, contudo, que nestas relações quem exerce o poder empresarial o faz com base no exercício do direito à liberdade de empresa na Espanha (art. 38 CE) e do direito à livre iniciativa (art. 1º, IV e 170 CRFB), e, segundo alguns, à propriedade no Brasil (art. 5º, XXII).. Assim, o capítulo 3 se voltou para um aprofundamento no conteúdo jurídico do poder empresarial, desde sua origem constitucional e da natureza jurídica das faculdades constitucionalmente garantidas que lhe dão suporte. Seriam a liberdade de empresa e a livre iniciativa verdadeiros direitos fundamentais? Igualmente, analisa-se neste capítulo a jurisprudência do Tribunal Constitucional da Espanha e do STF, no Brasil, quando do enfrentamento de situações em que são externadas as múltiplas possibilidades de o poder empresarial atuar como limite aos direitos fundamentais dos trabalhadores. No capítulo 4, por seu turno, é vista a proteção constitucional à comunicação efetuada através de correio eletrônico, com ênfase no seu uso nas relações de trabalho. Desde já, cumpre dizer que não há tratamento constitucional expresso sobre o correio eletrônico, não estando indicado na lista das comunicações previstas no art. 18.3 CE, nem tampouco está enumerado no artigo 5º, XII, da Constituição de Brasil, como se vê da leitura das normas: Art. 18.3. Se garantiza el secreto de las comunicaciones y, en especial, das postales, telegráficas y telefónicas, salvo resolución judicial. Art. 5º, XII. É inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Outrossim, levando em consideração a confusão doutrinária e especialmente jurisprudencial ocorrida em ambos os países, externada na preferência em analisar a intervenção perpetrada pelo empregador à luz do direito à intimidade, igualmente torna-se um imperativo apreciar as zonas de aproximação e distanciamento entre este e o direito ao segredo das comunicações, destacando, quanto ao último, o seu âmbito de cobertura, tutelado nas Constituições do Brasil e da Espanha, com o objetivo de verificar se a comunicação telemática efetuada através de correio eletrônico se encontra alcançada por este direito. E esta questão tem especial transcendência porque a enumeração é exemplificativa tanto no art. 18.3 CE quanto no art. 5º, XII, da CRFB. Efetivamente, o TC espanhol e o STF brasileiro têm mantido a possibilidade de que outros meios de comunicação sejam protegidos pelo segredo das comunicações, em especial aqueles que forem resultantes dos avanços tecnológicos. Uma doutrina que o Tribunal Constitucional espanhol aplicou expressamente ao correio eletrônico em sua STC 241/2012. Há, inclusive, normas de caráter infraconstitucional que refletem a extensão acima mencionada. Temos assim, na Espanha, o art. 197 do Código Penal (Lei Orgânica 10/1995, com o tipo penal de �interceptación o apropiación ilegítima do correo electrónico � delito de descubrimiento y revelación de secretos�) e a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 32/2003, de 03 de novembro � art. 33, que estende a garantia do segredo das comunicações a todos os serviços de comunicação eletrônica). No Brasil, no mesmo sentido, a Lei 9296/9625, que regulamenta o art. 5 º, XII da CRFB, indica que a proteção do segredo das comunicações abarca a mensagem por correio eletrônico. Sucede, ademais, que tanto o Tribunal Constitucional espanhol como o STF brasileiro têm, em geral, interpretado o direito ao segredo das comunicações como um direito de caráter formal, sobre cuja base se outorga proteção ao processo comunicativo, independentemente de seu conteúdo (por todas a STC 114/1984, na Espanha, e a decisão do STF no caso �Garotinho versus O Globo� - Petição 2.702-7/RJ), tratando-se de um direito que garante a proteção da comunicação contra terceiros. Este é um aspecto que adquire especial relevância no desenvolvimento da questão proposta, mormente por reconhecer, em princípio, a condição de terceiro ao empregador, posto que a proteção do direito compreende, de entrada, a liberdade de comunicação dos comunicantes contra a intervenção de terceiros que não formem parte do processo comunicativo. Desde esta perspectiva, a titularidade dos bens (de quem não integra o processo comunicativo) e a natureza da comunicação (pessoal ou comercial) seriam aspectos que adquirem relevância apenas na hora de analisar a legitimidade das limitações que venham a ser impostas pelo empregador ao segredo das comunicações/sigilo de correspondência eletrônica no que pertine ao uso do correio eletrônico. E não há dúvidas que limitações se justificam pelo choque com outros direitos e interesses igualmente protegidos pelos sistemas constitucionais, o que se reforça no âmbito da relação de trabalho, na qual as possibilidades de controle e fiscalização utilizadas pelo empregador (isto é, a suas possibilidades de limitar o desfrute do direito), a outra face da moeda, possui status constitucional. Assim, destaca-se também o âmbito de proteção abstrato (pela ação legislativa) e concreto do direito, salientando quanto a este último que obrigatoriedade da resolução judicial como único meio de restrição concreta ao direito ao segredo das comunicações, em que pese a recente STC 241/2012, continua a ser um tema não abordado doutrinariamente de forma sistemática por nenhum dos dois Tribunais Constitucionais. Todavia, esta aproximação da jurisprudência constitucional brasileira e espanhola em acertos, erros e omissões no tratamento das comunicações efetuadas através de correio eletrônico, até este momento, não se refletiu na adoção de soluções semelhantes pelos órgãos jurisdicionais infraconstitucionais dos dois países. Nesse sentido, destaca-se o capítulo 5 em que é feita apreciação dos principais aportes jurisprudenciais em torno da questão. De fato, malgrado os contornos deste direito estejam muito bem delineados na doutrina constitucional, ainda são muito escassos os julgados do Social, em ambos os países, que analisam os limites da intervenção do empregador sobre os e-mails do empregado desde esta perspectiva, tendo como elemento central o proceso comunicativo. Em ambos os países, doutrina e jurisprudência têm preferido se aproximar destes casos, como já mencionado, desde a perspectiva do direito à intimidade. E esta é uma confusão que, como veremos, também incorrem as recentes SSTC 241/2012 e 170/2013. Assim, necessário averiguar, ainda que em linhas gerais, como se situam os direitos fundamentais potencialmente lesados no marco das relações de trabalho, especialmente a garantia do segredo das comunicações, analisando a jurisprudência das salas do social no Brasil e na Espanha, assim como a doutrina dos Tribunais Constitucionais em torno deste tema central. No Brasil, ainda que a questão não tenha sido objeto de apreciação pelo STF, há algumas decisões da mais alta Corte Laboral do país (Tribunal Superior do Trabalho). Do conjunto destes pronunciamentos a respeito da matéria, é possível indicar algumas linhas mestras definidoras do seu posicionamento sobre o uso do e-mail nas relações laborais e estas não seguem os parâmetros constitucionais traçados pelo STF derredor do direito ao sigilo de correspondência: 1. O e-mail protegido constitucionalmente é somente aquele de uso pessoal (@ig, @hotmail, @gmail). 2. A empresa pode regulamentar o uso do e-mail pessoal e corporativo no ambiente laboral, de maneira que a norma interna é aplicável aos casos concretos de utilização inadequada pelo obreiro. 3. Não existe violação do segredo das comunicações no e-mail corporativo em relação à própria empresa. 4. A senha pessoal do correio eletrônico corporativo não é uma proteção ao segredo das comunicações do empregado em relação à empresa, porém funciona para a proteção patronal, para que terceiros não possam aceder às informações que tenham conteúdo secreto ou reservado. 5. É legítimo o controle formal e material sobre o envio e recebimento de mensagens de e-mail corporativo, desde que a fiscalização ocorra de forma �moderada, generalizada e impessoal�, objetivando evitar prejuízos ao empregador. 6. O e-mail corporativo proporcionado pela empresa (verdadeira propriedade do empregador) tem natureza jurídica equivalente a uma ferramenta de trabalho, destinada ao uso profissional. Por seu turno, na Espanha, a jurisprudência infraconstitucional também segue sendo muito heterogênea, havendo, até bem pouco tempo atrás, uma inexplicável ausência de critérios esclarecedores pelo Tribunal Supremo. É bem verdade que esse quadro na jurisprudência social na Espanha tende a ser alterado, em prol de uma maior uniformização, a partir das recentes decisões do Tribunal Supremo, em especial o caso �Coruñesa de Etiquetas� e duas outras recentes decisões proferidas em 2011 (SSTS 1323/2011, de 08.03.2011 e 8876/2011, de 06.10.2011), que, ainda que não enfrentem a questão nuclear desenvolvida neste estudo, que é o controle do correio eletrônico à luz do direito ao segredo das comunicações, avançam na análise sobre a correta utilização dos meios informáticos colocados à disposição do trabalhador pela empresa (ainda que para alguns de forma antagônica), e as possibilidades de controle que o empregador pode exercer sobre eles, tendendo a causar reflexos bem diretos na jurisprudência das salas do social dos demais tribunais e julgados espanhóis. Entretanto, mirando a atual doutrina proveniente destes órgãos jurisdicionais, é forçoso reconhecer que as normas constitucionais existentes e os parâmetros trilhados pelos dois Tribunais Constitucionais ainda estão longe de proporcionar o ambiente propício para que posições homogêneas sejam adotadas pelos órgãos judiciais infraconstitucionais (mesmo depois de prolatada as SSTC 241/2012 e 170/2013, que confirmou essa jurisprudência). E esse quadro de insegurança jurídica faz com que especialmente as empresas tenham interesse em regulamentar a matéria em seu âmbito interno ou, ao menos vê-la tratada no plano das normas coletivas de trabalho. Assim, no capítulo 6 enfrenta-se um tema em torno do qual quase não há resposta judicial, que consiste na averiguação da possibilidade de o empregado, através de negócio jurídico individual (contratos de trabalho ou regulamentos internos que a ele aderem) ou por meio de convênios coletivos (a autonomia privada coletiva) pactuar outras restrições ao segredo das comunicações e seus efeitos. Para tanto serão analisados critérios para a validade do ato jurídico individual através do qual se consente à limitação no exercício de faculdades dos direitos fundamentais, assim como a verificação desta mesma questão a partir dos instrumentos de negociação coletiva brasileiros e espanhóis. Trata-se de questão muito importante em especial porque os Tribunais Constitucionais reconhecem que a eficácia dos direitos fundamentais é mais intensa nas relações assimétricas, a exemplo da relação laboral, em que o negócio jurídico, na maior parte dos casos, tem um caráter de verdadeira adesão. Ademais, aqui se questiona a utilidade prática da cláusula contratual ou de convênio coletivo para a intervenção do empregador nas comunicações de seus empregados, uma vez que haveria, para alguns estudiosos da matéria, necessidade de renúncia ao exercício do direito por parte de todos os integrantes do processo comunicativo, já que titulares do direito ao segredo das comunicações são tanto o emissor quanto o receptor da mensagem. Em geral, um destes não integraria o corpo de funcionários da empresa, de maneira que as cláusulas em questão interfeririam no interesse de terceiros que do negócio jurídico não teriam participado. Dessa forma, seja pelas mutações jurisprudenciais em torno do tema, seja pelo reconhecimento das múltiplas variáveis que envolvem as soluções que repousam na autonomia privada individual ou coletiva, seja, por fim, em virtude de um reconhecimento de certa maturidade já existente em torno da questão de fato, observa-se que ambos os países já buscaram a solução legislativa para o tema. Essa procura por esta via é mais recorrente no Brasil, onde, todavia, as proposições legislativas, se comparado ao seu paradigma espanhol, mais discrepam da jurisprudência constitucional existente em torno do tema. Nesse sentido, no capítulo 7 é feita uma análise crítica dos projetos de lei já formulados e em tramitação no Brasil e na Espanha, a partir da noção de limites à ação concretizadora dos direitos fundamentais pelo legislador, pautado no respeito ao conteúdo essencial e ao principio de proporcionalidade. À título de conclusão, como medida propositiva, é apresentada uma minuta de norma, voltada para dar resposta às principais questões que envolvem as possibilidades de uso do correio eletrônico no ambiente de trabalho De maneira que, ancorado em algumas informações já sedimentadas na doutrina constitucional e laboral, bem como das conclusões parciais formuladas em cada capítulo deste estudo, objetiva-se descortinar algumas questões. Dentre estas, destaca-se o reconhecimento dos reais motivos que têm levado à interpretação distinta emprestada ao tema pelos órgãos de justiça social do Brasil e da Espanha, bem como a indicação dos parâmetros para atuação do Poder Legislativo e aqueles que poderão ser utilizados pelo Tribunal Constitucional espanhol e pelo STF brasileiro na futura apreciação da licitude dos controles efetuados pelo empregador em relação aos correios eletrônicos recebidos ou enviados pelos empregados. Mas para uma correta conclusão a respeito deste tema central, imperativo será analisar outros temas igualmente pouco tratados na doutrina constitucional: o direito ao segredo das comunicações é afetado pela intervenção do empregador no correio eletrônico de seus empregados? Quais são os limites para a atuação legislativa em ambos os países a respeito do controle do empregador sobre e-mails dos empregados? Existem limites implícitos ao uso das comunicações telemáticas na relação de trabalho? Poderão os contratantes fixar limites ao uso do correio eletrônico através de contratos e da negociação coletiva? Admitida esta hipótese, quais seriam, então, os requisitos que deveriam ser observados para o reconhecimento da licitude dessas regras limitadoras ao exercício do direito ao segredo das comunicações/sigilo de correspondência estabelecidas em normas coletivas e no contrato de trabalho? Estes são alguns dos principais aspectos que se pretende desenvolver neste trabalho de investigação.
Idioma: por